Ex-secretário do governo Melo retira tornozeleira eletrônica durante processo criminal

O ex-secretário de Fazenda do Amazonas, Afonso Lobo, teve revogadas todas as medidas cautelares impostas a ele, como o uso de tornozeleira eletrônica, durante o andamento de processos que responde por crimes revelados na Operação Maus Caminhos. A desembargadora Mônica Sifuentes do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) atendeu a apelação da defesa do ex-gestor da Sefaz-AM. 

Além de não usar mais a tornozeleira eletrônica, Afonso Lobo não ficará mais impedido de viajar para fora de Manaus, nem obrigado a avisar à Justiça Federal sobre ausências do município. 

Afonso Lobo foi preso em fevereiro de 2018 e dois meses depois foi liberado. A sua prisão preventiva foi substituída para medidas cautelares onde esteve usando tornozeleira eletrônica no período de 1 ano e 9 meses. 

Na sua decisão, a desembargadora Mônica Sifuentes entendeu que não existem fatos novos, comprobatórios, sobre as acusações contra o ex-secretário de Fazenda que justifiquem a manutenção das medidas cautelares. 

Entenda o caso

Em 2019, o Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas denunciou o ex-secretário de Fazenda do Estado Afonso Lobo, três empresários e o médico Mouhamad Moustafa pelos crimes de corrupção ativa, corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro. Neste novo processo, Lobo é acusado de exigir vantagens indevidas para beneficiar envolvidos no esquema de desvios da saúde e receber, em troca, R$ 276 mil em propina.

A defesa do ex-secretário afirma que o Afonso repudia as acusações e “provará sua inocência por meio do processo”. Em nota, os advogados de Mouhamad afirmaram que irão “apresentar defesa sobre essa acusação totalmente descabida”.

As investigações da quarta fase da Operação Maus Caminhos, denominada Cashback, mostraram que Mouhamad Moustafa, então administrador de fato do Instituto Novos Caminhos (INC), prometeu, ofereceu e efetivamente pagou vantagem indevida ao então secretário de fazenda do Estado do Amazonas, com o objetivo de influenciar Afonso Lobo a utilizar suas prerrogativas de secretário em benefício do grupo de empresas controlado por Mouhamad.

De acordo com a denúncia, em pelo menos 14 situações diferentes entre outubro de 2014 e junho de 2016, Afonso Lobo aceitou promessa de recebimento e efetivamente recebeu, indiretamente, propina para beneficiar o grupo. Para ocultar a origem ilícita do dinheiro, segundo o MPF, ele utilizava empresas de familiares, que recebiam pagamentos por serviços prestados ao INC por meio da empresa M. L. Comercial.

Conforme apurado durante a operação Cashback, a M. L. Comercial efetuou 11 pagamentos à empresa Erhard Lange ME, em valores que variam entre R$ 18 mil e R$ 20 mil. Já à empresa Lola Comércio foram feitos três pagamentos, que também variaram entre R$ 18 mil e R$ 20 mil. A análise da movimentação financeira dessas empresas mostrou que os pagamentos eram realizados em datas posteriores, sempre próximas às datas em que a M. L. Comercial era paga pelo Instituto Novos Caminhos.

O G1 tentou contato com as empresas ML Comercial e Lola Comércio, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria. A reportagem também procurou a empresa Erhard Lange ME, mas não a encontrou.

A ação tramita na 2ª Vara Federal do Amazonas, sob o número 9643-53.2019.4.01.3200. Além dos pedidos de condenação a penas de prisão, o MPF requer a reparação dos danos causados aos cofres públicos no valor original de R$ 276 mil, devidamente atualizados.

O esquema

Conforme descrito em outra denúncia oferecida no âmbito da Operação Cashback, o Instituto Novos Caminhos contratou a empresa M. L. Comercial Alimentos para o fornecimento de refeições e congêneres à Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) Campos Salles e ao Centro de Reabilitação em Dependência Química (CRDQ) do Estado do Amazonas Ismael Abdel Aziz. Naquela ação, o MPF descreve que o Instituto Novos Caminhos transferiu à M. L. Comercial o valor total de R$ 4.504.028,70 – mais de R$ 2 milhões desse valor foram desviados.

Para o MPF, o valor desviado por meio da empresa M. L. Comercial alimentou o caixa paralelo que serviu para praticar diversos atos de corrupção de agentes públicos e privados. No entanto, parte do valor desviado por meio dessa empresa não ingressou no caixa da organização criminosa. Foi constatado pela investigação que R$ 276 mil foram destinados diretamente à Afonso Lobo.

A partir de análise contábil da empresa M. L. Comercial, verificou-se a realização de 14 transferências, entre abril de 2015 a junho de 2016, em benefício das empresas Erhard Lange ME e Lola Comércio de Vestuário EIRELI. Afonso Lobo possui relacionamento direto e pessoal com os representantes de ambas as empresas: a Erhard Lange ME é administrada pelo sogro do ex-secretário de Fazenda, enquanto que a Lola Comércio é administrada pela sogra de Afonso Lobo.

Consta ainda na denúncia do MPF que a relação pessoal e direta entre Afonso Lobo e a empresa Erhard Lange ME é confirmada pelo fato de que o então secretário de Fazenda do Amazonas pediu expressamente a Mouhamad que a empresa fosse contratada como suposta fornecedora do INC.

Posição estratégica

Afonso Lobo é servidor público estadual, auditor-fiscal da Fazenda do Estado do Amazonas e foi secretário da Sefaz por mais de quatro anos, de dezembro de 2012 a janeiro de 2017, durante as gestões dos ex-governadores Omar Aziz (PSD) e José Melo (PROS). As investigações mostraram que, por ocupar tal posição, Lobo era peça estratégica para a organização criminosa liderada por Mouhamad, ao garantir tratamento privilegiado em comparação aos demais credores do Estado do Amazonas.

A participação de Afonso Lobo no esquema de corrupção veio à tona com a deflagração da Operação Custo Político, em dezembro de 2017, desdobramento da Operação Maus Caminhos. Entre maio de 2014 a agosto de 2016, ele recebeu de Mouhamad ingressos para a final da Copa do Mundo de Futebol, ingressos para shows, além de vinhos raros e pagamento de diárias em hotel em Brasília, cessão de carro e motorista em Brasília/São Paulo.

O ex-secretário da Sefaz já responde a outras três ações penais pelos crimes de organização criminosa, falso testemunho, peculato, corrupção e lavagem de dinheiro, entre outros crimes, além de duas ações de improbidade administrativa, todas em razão das dezenas de situações ilegais reveladas a partir da Operação Maus Caminhos.