Mulheres relatam humilhações para ver presos: ” lanterna em exame íntimo”

Apesar da proibição das revistas íntimas em São Paulo, mulheres relatam terem sido submetidas a procedimentos invasivos e humilhantes para provar que não carregavam drogas no corpo. Mesmo assim, em muitos casos, não conseguiram autorização para visitar familiares nas unidades prisionais.

Lavagem intestinal e sangramento

Em um pronto-socorro público de Cerqueira César, no interior, Mariana passou por “exames de toque anal extremamente invasivos, lavagem intestinal, além da ingestão de medicamento que causou náusea e vômito”, segundo a Defensoria Pública. Os nomes das entrevistadas foram trocados para preservar a identidade.

A mulher foi levada até a unidade de saúde em 11 de fevereiro, depois que o scanner corporal da penitenciária onde o marido está preso apontou o que os agentes chamaram de “imagem suspeita”. Após os exames, nada foi encontrado.

Mariana diz ter apresentado um intenso sangramento logo em seguida. Ela procurou, então, outro pronto-socorro — que constatou uma inflamação.

Mesmo depois dos exames, a mulher não conseguiu visitar o marido. Foi informada que seria instaurado um procedimento administrativo e as visitas estariam suspensas até a conclusão do procedimento.

No dia 14 de fevereiro, o juiz Fábio Fernandes Lima, Departamento Estadual de Execução Criminal de Bauru, solicitou detalhamento da situação à direção da Penitenciária de Cerqueira César. A diretoria da unidade prisional reafirmou que “foi constatada anormalidade na imagem do aparelho.”

Todo dia quando me deito, vem aquela cena na minha cabeça. Foi uma covardia da parte deles.

Mariana, mulher submetida a exames invasivos

Papanicolau com lanterna

Tatiana diz que teve que passar três vezes pelo scanner corporal na Penitenciária de Irapuru, também no interior, em junho do ano passado. Foi informada que teria algo a “ser retirado” de seu corpo.

No Hospital de Junqueirópolis, foi submetida a uma radiografia — que não localizou objeto ilícito em seu corpo.

O diretor da unidade, então, pediu que ela realizasse um exame de toque, segundo a Defensoria Pública de São Paulo. Tatiane relata que, durante o papanicolau, o médico solicitou que a agente olhasse sua vagina com uma lanterna.

Após o exame, de volta à unidade prisional, Tatiane não foi autorizada a entrar. Ela diz ainda que tentou obter notícias do companheiro por e-mail, mas não conseguiu.

Dois meses depois, em agosto, ao tentar retornar à unidade, desta vez com o filho de um ano, Tatiana afirma que teve novamente de passar três vezes por um scanner. Após o bebê ter sido revistado, ela foi informada que teria de ir ao pronto-socorro outra vez.

Ela se negou a ir ao pronto-socorro por temer novo constrangimento — desta vez, relativo ao filho. Então, foi orientada a assinar um termo de suspensão de visitas por seis meses.

A Defensoria Pública de São Paulo pediu providências. O coordenador Regional da Execução Penal e 9º Defensor Público da Regional de Presidente Prudente (SP), Gustavo Picchi, cobrou esclarecimentos.

Dupla violação: scanners e exames

As revistas íntimas são proibidas desde 2014 em São Paulo. Conforme a lei, são consideradas revistas íntimas todo procedimento que obrigue o visitante de uma unidade prisional a tirar a roupa, fazer agachamentos ou dar saltos e se submeter a exames clínicos invasivos.

A lei prevê também que, na hipótese de um visitante estar com drogas ou objetos ilícitos, ele deverá ser submetido a uma nova revista. Nessa etapa, deve ser utilizado um equipamento diferente do primeiro.

Os scanners corporais não são utilizados em todas as unidades prisionais do país. “Não existe uma lei federal que trace uma normativa nacional”, afirma Janine Salles de Carvalho, secretária-executiva da Rede Justiça Criminal.

De acordo com uma pesquisa realizada pela Rede Justiça Criminal, em 2021, 48,7% dos familiares de pessoas presas afirmaram que os procedimentos de revista íntima não foram interrompidos após a instalação dos scanners. O levantamento mostra também que 41,2% afirmaram terem passado pela revista íntima após o procedimento tecnológico.

Uma ação que avalia proibição ou não da realização de revistas íntimas vexatórias em visitantes de presídios começou a ser julgada no plenário virtual do STF. O ministro Gilmar Mendes pediu destaque e mandou para julgamento presencial na Corte. Não há prazo para isso ainda.

Fonte: uol