Pastor ameaça não batizar jovem negra por causa do cabelo

Do Uol

“Não vai ser batizada se não mudar o cabelo.” A frase dita pelo pastor Maurício Azevedo no último dia 11, a uma adolescente negra de 15 anos, levou a jovem de cabelo black power a deixar o local que frequentava desde sua infância e gerou protesto contra a igreja Assembleia de Deus de Jacobina (BA). Por meio de seu filho, o pastor negou ter dito a frase e assegura que a jovem não foi impedida do batismo.

Segundo a jovem, a fala teria ocorrido quatro dias antes da cerimônia de batismo, durante o curso na igreja. “A palestrante que falava no evento chegou e me elogiou. Nesse momento, ele puxou pelo braço dela e falou que eu não poderia ser da Assembleia com esse cabelo, que não me batizaria, que eu não poderia ter esse semblante”, contou. “E eu fiquei lá, sendo submetida a uma humilhação terrível. Ele falou na frente da igreja toda, no microfone. Eu não soube o que fazer”, disse.

A adolescente contou que, na última sexta-feira (13), a mãe dela foi conversar com o pastor, que teria sugerido um encontro entre os dois para a segunda-feira (16), um dia após o batismo. “Mas, no sábado [14], ele voltou atrás e mandou uma pessoa me pedir outra ficha de batismo, e eu falei que não iria. Ele, com receio, chamou-me na hora do batismo, mas eu não estava, não tive coragem de ir”, afirmou

Ainda de acordo com a jovem, um dia após a cerimônia de batismo, ela foi chamada e conversou com o pastor, que teria pedido desculpas somente pela fala em público. “Ele pediu desculpas pela humilhação que ele causou, mas em nenhum momento reconheceu racismo. Eu saí da igreja porque não dava mais. Estou congregando em outra igreja, na qual pretendo me batizar.”

A jovem disse que, após a fala [do pastor], recebeu o apoio de várias pessoas da igreja. “Não foi uma atitude da Igreja. Teve gente que saiu que chorando comigo. As pessoas ficaram muito tristes, tive muito apoio deles”, disse a jovem, citando que o local é onde sua família, desde seus avós, frequentaram. “Muitos, como minha irmã, já haviam deixado a igreja.”

Protesto pós-batismo

Após o episódio da quarta-feira, a adolescente procurou amigas para relatar o caso de preconceito. Martha Miranda, 24, ativista do movimento negro em Jacobina, decidiu publicar no Instagram um convite para que meninas de cabelo black power a procurassem. “Eu e outra amiga postamos. Não disse o motivo, mas muitas procuraram.”

Um grupo formado por 13 pessoas —entre elas a adolescente que recusou o batismo— foi então à igreja no domingo e assistiram ao culto. “A ideia inicial não era de protesto. Queríamos apoiá-la, mostrar ao pastor que, como ela, havia várias pessoas. Fomos para dar uma força. Mas acabou virando um ato de protesto mesmo”, disse

“Esperavam um ato com arruaça. Mas apenas entramos e sentamos para o culto do domingo à noite —o batismo tinha ocorrido mais cedo. Quando fomos, o pastor não estava. Algumas pessoas que estavam presentes vieram falar conosco e pedir desculpas.”

Pastor nega racismo

Procurado pela reportagem, o pastor Maurício Azevedo indicou que seu filho, chamado Anderson, para responder aos questionamentos de Universa. Segundo ele, a afirmação citada pela jovem —de que ela não iria se batizar por conta do cabelo— não foi dita. “Ela omitiu a verdade”, disse, ao ser perguntado se ela mentiu.

“Em momento algum ele criticou o cabelo dela, nem a chamou de negra, pois o mesmo batizou uma jovem com black”, afirmou Anderson, enviando uma foto da mulher citada, mas sem citar o que teria sido dito especificamente pelo pastor

Entretanto, testemunhas ouvidas e comentários em redes sociais, inclusive de pessoas que apoiam o pastor, confirmam que ele falou que não batizaria a jovem. “O pastor momento algum falou de cabelo crespo, falou que a igreja não batiza pessoas de cabelo raspado, ‘estilo black’ (isso não é racismo), homens de barba grande, pessoas que ficam indo a igreja de bermuda etc.”, defendeu um dos fiéis da igreja em comentário

Ainda segundo o filho do pastor, a adolescente iria ser batizada normalmente, tanto que foi chamada pelo pastor no domingo, mas não estava na igreja.

O filho do pastor enviou a Universa a ficha de pedido de batismo assinada pela adolescente, na qual ela responde, entre outras coisas, que o preconceito é um dos problemas que mais a incomoda. “Ela falou que sofre bullying na cidade. Ela mesma falou ao pastor que o povo na rua a chama de vários nomes ruins”, disse

Entre os pontos obrigatórios de resposta para candidatar-se ao batismo estão se o fiel declara-se “submisso ao pastor e ao ministério”, se tem dívidas e se preocupa-se com a aparência.