“Um ano e meio sem resposta é mais do que suficiente para percebermos que tem algo muito errado”, diz viúva de Marielle

RIO — Dois dias depois de o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinar que a Justiça do Rio forneça as cópias do processo do caso Marielle Franco (PSOL-RJ) à Procuradoria-Geral da República (PGR), a viúva da parlamentar, a arquiteta Mônica Benício, aprovou a decisão. Mônica afirmou que a demora na resposta para se chegar aos mandantes do assassinato pode estar relacionada a “um jogo político” para proteger quem encomendou o crime. Ela defendeu o compartilhamento das informações, pois acredita que só com transparência e o entrosamento de todos os órgãos de investigação o caso será elucidado. O homicídio da vereadora e do motorista Anderson Gomes ocorreu há 536 dias.

— É muito importante que a PGR peça ao STJ o acompanhamento mais próximo da investigação. Um ano e meio sem resposta é mais do que suficiente para percebermos que tem algo muito errado acontecendo. Acharam um hacker rapidamente (referindo-se a Walter Delgatti Neto, preso em 23 de julho acusado de invadir o celular do ministro da Justiça, Sergio Moro, e outras autoridades), já sabemos até onde está o Queiroz (Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), apontado em relatório do Coaf por fazer transações suspeitas, que estava desaparecido) — comentou Mônica.

— Não me parece que a resposta a respeito de quem mandou matar Marielle não esteja sendo revelada por incompetência, acredito que seja mesmo um jogo político que tem a intenção deliberada de proteger o assassino de Marielle e Anderson — afirmou ela.

Desde outubro do ano passado que a PGR pediu à Polícia Federal que abrisse inquérito sobre suspeita de obstruçao na investigação do assassinato da parlamentar, que estava sendo feita pela Polícia Civil. Em maio, o inquérito foi concluído com base num relatório de 600 páginas da PF. No documento, ficou clara a tentativa de desviar o foco das investigações por parte do policial militar Rodrigo Jorge Ferreira, o Ferreirinha. Ele procurou à polícia para contar uma suposta participação do miliciano Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando da Curicica, e o vereador Marcello Siciliano (PHS) no crime.

Apesar da conclusão do inquérito, a PGR não teve acesso aos autos e às provas produzidas. A 28ª Vara Criminal do Rio proferiu uma decisão rejeitando o pedido de compartilhamento dos autos do caso Marielle com a PGR, alegando que o caso estava sob “segredo de Justiça”. O Ministério Público estadual, que não é subordinado à PGR, também foi contra o compartilhamento.

Com a decisão, a PGR ficou impossibilitada de analisar se caberia pedir a federalização da investigação, ou seja, que o Ministério Público Federal (MPF) assumisse o caso Marielle. A decisão do compartilhamento de dados do processo foi dada na sexta-feira pelo ministro do STJ Raul Araújo, que reverte o entendimento anterior da 28ª Vara Criminal do Rio.

Se a procuradoria encontrar algum indício que coloque a investigação sob suspeita, há a probabilidade de o órgão entrar na Justiça com uma ação de Incidente de Deslocamento de Competência (IDC), podendo assumir o caso junto com a Polícia Federal. A própria arquiteta Mônica Benício, em outubro do ano passado, já havia demonstrado ser favorável à federalização. Neste domingo, ela reiterou a importância de se descobrir o mandante do crime.

— O sistema judiciário do Rio precisa atuar em colaboração com o STJ e todas as forças cabíveis que possam ajudar a elucidar esse crime. Essa é a melhor maneira de avançarmos. ‘Quem mandou matar Marielle’ e ‘quais foram as motivações desse crime’ são questões que o Brasil deve responder ao mundo — justificou a viúva de Marielle, na tarde deste domingo.

Para o Ministério Público do Rio de Janeiro, não há “qualquer fundamento legal” para eventual deslocamento sugerido pela Procuradoria-Geral da República. O órgão ainda reforçou não ter negado colaborações à Polícia Federal ou ao Ministério Público Federal.